Uma história...
Ele se levantou, estava nervoso, sentia as mãos suarem e as secou nas pernas da calça. Olhou o relógio na mesinha de cabeceira sem se importar muito com as horas, afinal ele havia olhando o mesmo relógio a menos de um minuto atrás. Olhou para a cama desarrumada onde estava sentado, ao lado dela estava a janela entreaberta, passava uma leve brisa, mas nada que causasse desconforto. Caminhou até o espelho, que ficava atrás da porta do sue quarto, se olhou bem e pensou que estava horrível, mas aquilo era o melhor que ele poderia fazer. Passou as mãos nos cabelos cheios de gel e perfeitamente penteados, arrumou os óculos que já escorregavam pelo seu nariz devido ao suor proveniente do nervosismo. Mais uma vez tateou os bolsos e encontrou o que já tinha certeza que estava lá.
Antes de sair de casa refez mentalmente, pela milésima vez, o caminho que sempre fazia e saiu. Caminhou apressado e seguiu determinado. Foi a pé, afinal ela não morava longe, na verdade eram apenas quatro quarteirões, no fim da rua. Seus passos eram os mais rápidos possíveis, mas pareciam estar levando ele para trás, quanto mais rápido andava, mais isso fazia com que ele pensasse estar parado. O nervosismo fazia com que aquela noite parecesse insuportavelmente quente, o suor já corria farto pela testa e lhe dava a certeza de que seu cabelo já estava bagunçado. O tênis desamarrou e os óculos embaçaram. Com a respiração ofegante, ainda no segundo quarteirão, ele parou, amarrou os cadarços e guardou os óculos no bolso da camisa.
Agora tudo seguiu como uma digestão, quase tão automático e sem ser percebido. Era inevitável, estava quase em frente a casa dela, enfim seu destino se cumpriria, não tinha mais volta, era agora, agora! Mais uma vez tateou os bolsos! Mais uma vez e mais uma. Esfregou as mãos nas calças para tentar enxugar o suor. O ar parecia que não entrava pelo nariz, mas também parecia que não saia de sues pulmões, isso fazia com ele respirasse da maneira apressada e com curtos espaços de tempo entre a inspiração e a expiração. Seu coração aprecia sair na goela e tão apressado e apertado, a impressão é que seu tórax estava reduzido ao tamanho de uma caixa de fósforos.
A rua chegou ao fim e bem no fim ela estava. Parecia que ela tinha sido avisada que ele estava chegando. Ela estava na janela e ele podia vê-la. Linda, como sempre, cabelos soltos, olhos fixos nele e um sorriso de nervoso estampado em sua face. Ela sabia, só podia ser, ela sabia, ele tinha certeza de que ela sabia.
Ele a viu e seu coração pareceu congelar por um segundo. Aquilo teria que ser perfeito, teria que ser da melhor forma possível, não poderia haver falhas. Tímida e nervosamente, apesar do tempo que já se conheciam, ele sorriu, sorriu e se alegrou. Os passos passaram a se tornar mais fáceis, e a distancia entre ele e a casa dela diminuía, agora, com uma velocidade incrível. Num piscar de olhos ele estava diante do seu objetivo. Diante dela. Suas pernas tremiam como se ele tivesse corrido por metade do mundo só para encontrá-la.
Como numa cena de filme antigo, ele parou sob a janela do quarto dela, estampou seu melhor sorriso e, com toda a força de seus pulmões, disse que a amava. Ele a chamou pelo nome e voltou a dizer que amava, mais forte do que antes. Sentiu seu coração se comprimir mais uma vez. O aperto em seu peito, e agora, na sua garganta fez com que algumas lágrimas viessem ate seus olhos. Heroicamente ele lutou contra ela, mas as lagrimas acabaram sendo mais fortes e rolaram pelo seu rosto. Ele nunca havia dito a ela, com tanta intensidade que a amava. Tão logo as primeiras lágrimas se uniram na ponta do seu queixo cuidadosamente barbeado, ele tratou de limpar seu rosto. Pôs a Mao nos bolsos e retirou uma caixa preta, recoberta de um material aveludado. Cuidadosamente ele a abriu e exibiu a aliança. Primeiro ele a olhou, mas logo em seguida a exibiu para sua amada, que agora também chorava.
O rapaz voltou a encher os pulmões e a pediu em casamento, ajoelhado sob sua janela. Ergueu-se e falou as mais belas juras de amor. Jurou estar com ela no altar, jurou estar com ela nas trevas e na luz, jurou beijar todo seu corpo, jurou olhar para ela com o olhar mais carinhoso que pudesse existir, jurou defende-la, jurou suas lágrimas e seu suor, jurou as mais belas rosas, jurou tudo o que poderia exemplificar seu amor, jurou sua vida, jurou a si mesmo para ela. Jurou seu amor, jurou amá-la. As lágrimas vinham fartas ate seu rosto, mas ele não se importava mais com isso, apenas estava ansioso querendo saber dela a resposta e mais uma vez ele a pediu em casamento. Ela sorria e chorava de sua janela e, num súbito, ela sumiu para reaparecer na porta de sua casa, com passos rápidos e largos ela correu ate o rapaz, que as esperava de braços abertos e com os olhos cerrados, na certeza de um abraço e um sim.
Ele sorria e aguardava, mas... Mas alguma coisa estava errada, ela não veio. O contato entre os corpos não aconteceu, ela não o abraçou. Ele abiu os olhos e a viu parada a alguns metros dele, estática. Com os braços cruzados e a cabeça baixa ela chorava, chorava como se estivesse prestes a morres, como se nada do que ela tivesse vivido valesse apena. Ele a viu assim e seu primeiro impulso foi partir para abraçá-la, mas, tão logo seus braços começaram a envolvê-la, ela tratou de se soltar e se distanciar.
Com o rosto totalmente molhado pelas lágrimas, ela abriu a boca e deixou soltar várias lanças em forma de palavras que atingira direto no coração dele. Ela falava em ilusão, em falta de amor, falava em várias coisas sem sentido e sem conexão, mas o pior estava por vir. Ela falou em um outro alguém... Outro alguém, outra pessoa, outro homem, outro que fazia com que ela perdesse a cabeça e fazia com que ela perdesse a respiração! Outro que a havia roubado, outro que a havia tirado de seus braços. Logo após toda esta agressão ela apenas se desculpou, chorou, chorou muito e voltou a se desculpar.
Desculpas? Isso não é o suficiente para reparar o estrago que estava feito. Ele podia sentir seu coração bater solto dentro de seu peito, como se ela estivesse oco, como se nada existisse dentro dele. As lagrimas em seu rosto pareciam ser ácido, seus olhos ardiam, sentia seu roto queimar raiva e dor. E, num ultimo gesto, ele terminou o que veio fazer, pegou a mão dela, pôs a caixa com aliança em sua mão, afinal, era um presente para ela, uma ultima prova do seu amor. Logo após se virou e começou a caminhar de volta para sua casa. Cada passo, cada distancia que tomava, cada vez que se afastava dela doía muito, doía mais do que qualquer outra coisa. Era o fim, tudo em vão, todo o amor que ele deu, tudo o que fez, todas as juras desperdiçadas, todas as cartas escritas, era o fim...
“Só espero que seja feliz com quem você escolheu para te amar, te amo tanto que não consigo te odiar... Seja feliz!”
E aquilo era o fim!
O fim...
Outra história.
As horas não passavam, os minutos se arrastavam e pareciam brincar com sua dor. Ela já havia vestido três vestidos diferentes e combinado com cinco pares de sapatos e todas as fitas que havia no seu armário. Mais uma vez ela se olhou no espelho, viu como estava o caimento do vestido, ajeitou a parte de trás que implicantemente teimava em não ficar ajeitada sobre seus quadris. Mais uma vez penteou os cabelos, escolheu um cordão e um par de brincos e um anel.
Um anel, esta imagem martelava em sua mente, ela sabia, ela tinha certeza que hoje ele iria trazer o tão sonhado e agourento anel. Ela rezou para que este dia não chegasse, ela queria ater acertado tudo antes, ela queria ter tido coragem para não ter que passar por isso, mas não conseguiu. Ela não foi forte, não conseguiu e não resistiu, se entregou a outro, outro que não foi, que não era aquela que vinha para lhe trazer o anel, a aliança e as juras de amor, não seria ele.
O coração é algo burro, algo que, apesar de estar abaixo do cérebro, não cede as suas ordens, é um maldito insubordinado, ele não respeita nenhuma das suas vontades e age por vontade própria, ele é o grande vilão, ele fez isso tudo, ele armou este circo. Ele, o coração, é o grande culpado pela dor que sempre sente no fim. Ela não teve culpa, ela não pode ser culpada, ela apenas foi humana, ela apenas foi ela...
A todo instante ela olhava na janela, ele não morava longe e, em breve, iria aparecer na rua, eram poucos quarteirões, em breve... Em breve sue destino iria ser concluído.
Ele apareceu, seus passos eram rápidos e decididos. Estava tão bonito, os cabelos penteados, sem os óculos que ela detestava, a camisa impecável. Ela sabia que ele iria fazer, sabia que os últimos momentos deles juntos estavam passando não voltariam a se repetir. Droga, por que ele andava tão rápido? Como ele andava rápido, era mais rápido que o normal. Em diversas outras vezes ela já havia feito isso, quase sempre ela ficava na janela de seu quarto vendo seu amado caminhar por sua rua, ficava olhando, como se estivesse velando pela segurança dos passos dele e ela seria a ultima vez, a última e dolorida vez.
Seus olhares se cruzaram, ele sorriu e parecia nervoso e ela não pode deixar de retribuir, um último sorriso, um último agrado. Pronto... Ele chegou, chegou para encarar o destino que ele havia imaginado, mas que seria roubado de sua mente.
Como numa cena de filme antigo, ele parou sob sua janela, estampou seu melhor sorriso e, com toda a força de seus pulmões, disse que a amava. Aquilo foi como um tiro dado diretamente no meio de sua testa, isso sim foi pior do que qualquer tortura. Ela o ouviu chamá-la pelo nome e novamente voltou a dizer que a amava. Ela via a verdade em seus olhos, via que ele realmente a amava, e isso fazia com que ela quisesse a morte, pois não conseguiria, nem em mil anos, retribuir este sentimento. Ele falava aquilo com uma certeza nunca vista antes. Ele chorava, estava realmente emocionado com aquilo tudo. Ela não resistiu e deixou que as lágrimas lavassem sua face e elas vieram fortes e violentas, com tanta vontade que ela mal conseguiu segurar as pernas eretas, por pouco não caiu de joelhos.
E o pior aconteceu, a aliança, o anel agourento, como ela pensava. Ele o trouxe e agora o exibia e pedia que ela se casasse com ele, como forma de consolidar o amor que ele achava que existia entre eles.
Enquanto ela deixava as lágrimas em seu rosto pingarem no peitoral da janela, ele declarava as mais belas juras de amor. Juras que toda mulher daria a vida para ouvir e que levaria toda a vida em busca destas juras e, mesmo assim, nunca as ouviria. Aquilo era como se várias agulhas estivessem sendo cravadas embaixo de suas unhas. Ela não poderia resistir mais àquilo, ela precisava reagir, ela precisava... Como se seu corpo tivesse sido percorrido por uma corrente elétrica reanimadora, ela saiu correndo da janela, desceu as escadas e forma estabanada, quase batendo com a cabeça, quase caiu sobre a mesa da sala e, se fosse um pouco mais forte, teria arrancado a porta da sala, tamanha a força que empregou para abri-la. Ao ver ele em sua frente, um impulso fez com que ela corresse em sua direção, ele abriu os braços e ela quase se viu atirada em seus braços, mas um novo impulso fez com que ela estancasse a alguns metros dele. Em pé, com os braços cruzados e chorando, ela apenas o observava. Ele, de braços abertos, algumas lágrimas correndo pelo rosto e com um sorriso nos lábios, aguardava o abraço e sua amada, mas isso não aconteceu. Ela o viu abrir os olhos e caminhar sem sua direção, ele iria abraçá-la, mas isso não poderia ser, ela não podia deixar! Tudo aquilo já tinha ido muito além do que deveria ir.
Assim que ela conseguiu se desvencilhar dele, simplesmente abriu a boca e vomitou tudo aquilo que lhe afligia o coração. Ela não sabe ao certo por quanto tempo falou, era como se todo seu corpo estivesse dormente, apenas sua boca se movia, deixando tudo aquilo sair, esvaziando a dor antiga de seu peito e fazendo com que seu coração se enchesse com uma nova dor. A dor de ver alguém como ele destruído dessa forma. Ele não merecia aquilo, mas também não merecia a mentira, não merecia ser enganado. A sinceridade foi a melhor forma que ela encontrou, a sinceridade foi, é e será sempre o melhor dos caminhos.
Ela não sabia o que fazer quando acabou, ela sentia seu corpo dormente, seu rosto formigava e apenas conseguia pedir desculpas por tudo aquilo. Em meio as suas desculpas um gesto fez com que sua boca se calasse. Ele pegou sua mão e depositou nela a caixa com a aliança que ele havia trazido. Aquela caixinha parecia queimar em suas mãos, como se uma maldição tivesse sido lançada, mas era apenas a culpa e o remorso se fazendo presentes. Tão logo ela sentiu a caixa em sua mão, viu ele se afastar, caminhava de volta para sua casa, caminhava cabisbaixo e sem ânimo, se retirou sem dizer nenhuma palavra
Enfim havia chegado o fim, aquele era o fim, enfim o fim... E ela não teve culpa, não pode ser culpada, não pode ser acusada.
“Me desculpe, por favor... Me desculpe!”
Enfim o fim!
O fim...