domingo, 2 de junho de 2013

Sobre chifres, pelos (ou não) e areia!

Um leve roçar de brisa no rosto de Saim fez com ele despertasse. Mas como quem tem grande preguiça, permaneceu deitado de olhos fechados, apenas sentindo o solo sob suas costas. Mais alguns segundos e tentou se mover. Uma dor aguda assaltou sua cabeça. Era como se um machado de guerra estivesse brandindo lá dentro. Era a nítida sensação de uma ressaca violenta. Já que estava na merda, ele resolveu voltar a dormir, mas não conseguiu. A dor de cabeça estava tão violenta q atrapalhou até isso. Resignado, se forçou a abrir os olhos e viu o céu. Estava completamente escuro, sem lua, sem estrelas, sem nuvens, sem nada.

Aquilo fez a cabeça de Saim doer ainda mais. Ele não lembrava onde estava e nem como havia chegado ali. Sentou-se e viu que estava em uma espécie de deserto de areias negras, tão negras quanto o céu sobre sua cabeça. Cambaleante ele se levantou e sentiu novamente a brisa no seu rosto. Agora ela era mais forte e carregava um pouco de areia consigo. Ao olhar para as mãos, percebeu que havia retornado a sua forma natural. Aqueles que eram chamados de impuros dentro de sua espécie eram tidos como párias e com ele não havia sido diferente.

Os impuros nascem da união de dois lobisomens que possuem o gene recessivo que os permitam transmutar entre as formas de homem, lobo e lobo homem. Essa união é abominada e evitada a todo o custo. Mas o coração age de formas muito mais agressivas do que a razão é capaz de controlar. O amor é belo, mas cobra um preço altíssimo. Todos os que nascem dessa união são marcados de formas grotescas para que sejam vistos por todos como uma mácula dentro da sociedade. E com Saim a mácula foi pesada e cruel. Ao contrário de todos os outros, não possuía pelo algum em nenhuma de suas formas. Um homem careca, um lobo pelado e um lobisomem de pele asquerosa e grossa como couros de paquiderme. Como um coroa da deformidade, na sua forma de lobo-homem ainda tinha um par de chifres crescendo nas laterais da cabeça. Eles se enrolavam para trás, como os de um bode adulto. Ah esses chifres malditos. De tudo era o que mais incomodava Saim. Tanto que era comum vê-lo passando os dedos sobre eles, como se avaliasse sua espessura, comprimento e se estavam a crescer mais. Atualmente ele converteu este gesto de afagar os chifres como uma forma de centrar o pensamento, exatamente como um homem afaga sua barba quando se põe a refletir sobre algo.

Entretanto, fora sua aparência bizarra, era um exímio lutador. Nascido sobre a luz de Luna em sua forma completa nos céus, fora banhado por toda a sua claridade e recebeu de Gaia, como presente ou compensação, toda a sua fúria estocada em seu coração. Graças a isso, conseguiu angariar algum respeito e consideração dentro de seu grupo, podendo até mesmo almejar algum dia uma posição de prestígio ou liderança.

Agora ele vagava sem rumo por aquele areal infinito, não importava qual duna escalasse, qualquer que fosse sua escolha baseada em sua altura, ele apenas via imensidão, mais imensidão e mais imensidão de areias negras, cobertas por um céu igualmente negro. O vento estava aumentando, fazendo com que constantemente sua visão fosse parcialmente cegada.

Aos poucos, conforme caminhava indefinidamente por aquele lugar morto, a memória foi retornando. Lembrou-se da batalha em Agreva, a floresta de cipós azuis. Ela avia sido maculada, estava sendo devastada pelos lacaios malditos, tomada pela poluição, totalmente manchada de negro. Saim e mais uma dúzia de voluntários foram enviados para combater os seres tóxicos e suas máquinas amarelas. Chegaram de forma furtiva, divididos em três grupos, mas havia um maldito traidor. Bem, não se sabe se era um traidor ou se estava possuído. Saim viu quando um dos grupos teve sua localização entregue pelo traidor que, assim que cumpriu sua missão pareceu tomar noção do que fez e se suicidou, abrindo sua garganta com uma adaga de prata que ele roubou de um parceiro ao seu lado.  Mas mesmo com o grupo perdendo um terço de sua força de ataque eles seguiram adiante. Com os lacaios entretidos em trucidar o primeiro grupo, os outros dois partiram com toda ferocidade para suas costas, e fizeram o que faziam de melhor, abriram tantas gargantas quanto fora possível. Um mar de sangue podre de misturou ao dos lobos-homem que foram sacrificados no início da carnificina. Os filhos a mãe Terra estavam se saindo vitoriosos. Estavam terminando de matar os últimos malditos, correndo atrás dos covardes que preferiram se enfiar em suas máquinas e escapar da peleja. E um desses malditos trouxe o inferno para terra. Na pressa da fuga, sem saber ao certo como pilotar aquelas armaduras malditas de metal e que sangravam sangue negro, ele deixou que ela tombasse e caísse sobre uma quantidade enorme de barris de metal. Estes barris armazenavam o sangue negro das maquinas. Este sangue negro logo entrou em combustão quando a armadura do maldito se desfez em uma bola de fogo e fumaça. O fogo gerado era estranhamente mais quente do que o comum e fazia com que a pele ardesse muito mais, os olhos lacrimejavam e ele continuava a queimar mesmo quando estavam longe dele. A vitória fora alcançada, mas todos iriam perecer ali, consumidos pelas chamas do sangue negro. Os malditos haviam caído, mas não sem antes derramar sua podridão sobre todos. Como um ultimo recurso, dois integrantes do grupo que possuíam dons extra terrenos, riscaram o chão da maneira que puderam e mandaram que largássemos tudo o que tivéssemos entrássemos ali, na porta que haviam acabado de escancarar. Mas, devido a pressa, deveriam fazê-lo em sua menor forma, como lobos. Não havia outro meio e assim foi feito. Saim foi quase um dos últimos, devido a fumaça inalada já estava tonto e teve grande dificuldade em se manter como lobo, apenas lembra-se de ter cambaleado até a abertura no chão e se jogado sobre ela, quase como se desmaiando sobre uma cama...

As lembranças voltaram fortes. Ele sentiu s olhos lacrimejarem, só de recordar do arder da fumaça. Cerrou as mãos, ferindo suas palmas com as garras e soltando um longo uivo de pesar pelos companheiros desaparecidos. Agora estava claro, ele estava em algum lugar da umbra, mas não sabia onde e nem como sair de lá. Após o uivo, ele parou para escutar, nem mesmo um eco como resposta. Aquilo o frustrou demais. Quebrado pela lembrança da morte dos amigos, isolado de todos os sobreviventes e em um local totalmente desconhecido em outra dimensão, Saim apenas se sentou, com a cabeça entre as pernas, afagou os chifres e respirou fundo. Pelo menos ali o ar estava muito mais limpo. Fechou os olhos e mais uma vez viu seus amigos morrendo, um a um por conta de uma traição. Orou à mãe Terra, para que ela o guiasse, para que ele pudesse ter um meio de sair dali. E, por mais que ele tentasse, a cena de morte não saia de sal cabeça e a medida que orava, sentia seu coração cada vez mais pesado e negro de fúria. Ela tomava conta de seu corpo, fazendo com que seus músculos tivessem espasmos. Sua vontade era atar o ar a sua frente, era correr, correr como se fosse rodar todo o mundo assim. Quando se u coração já estava pulsando em um ritmo alucinante, quando ele conseguia ouvir o pulsar do sangue fervente em suas veias, não aguentando mais a angustia daquele lugar inóspito, simplesmente correu.

Levantou-se em um salto e se pôs a correr! Corria e gritava de forma ensandecida. Como um animal prestes a atacar sua presa. Mas que presa? Saim apenas correu descendo uma enorme duna. Sua mente estava turva pela dor da perda dos companheiros e pela fúria da frustração daquele lugar maldito. A medida que avançava sua velocidade aumentava, em alguns momentos parecia que suas pernas não iriam conseguir acompanhar o ritmo da descida, mas ele imprimiu mais força esse manteve no ritmo. A dor de cabeça voltou, mais forte ainda. Aquilo o encheu de ódio e ele gritou, rosnou como uma besta. Tamanha era o seu desprendimento com a realidade que por um instante ele pensou ter visto suas patas entrarem em combustão. Era como se fagulhas saltassem de suas pernas. Não podia ser, mas era. Ao perceber aquilo, ele tentou correr mais rápido e conseguiu. Agora estava subindo uma duna, mas sua velocidade só parecia crescer. Era como se estivessem crescendo pelos de fogo sobre seu corpo, ele estava se acendendo como uma tocha. Tudo ao seu redor eram chamas, mas ele não sentia seu calor, elas apenas faziam com que ele se sentisse mais e mais forte.

A essa altura o cume da duna se aproximava, mas isso não o preocupava. Saim queria atingir os céus. A poucos metros da sua pista arenosa, ele percebeu que não possuía mais braços ou pernas, era agora apenas o fogo. Fogo somado a consciência, que pulsava e acelerava, deixando um rastro de fogo vítreo por onde seguiu. Ao alcançar o ponto mais alto, ele ascendeu aos céus, subiu tão alto que ao longe tudo não passava de uma imensa massa negra indistinguível. Subiu até o ar não existir, até não ser possível ver o chão, até não ver mais nada se não o vazio. Seu corpo ainda era só o fogo, mas agora começava a diminuir. Aos poucos o fogo se extinguia, dando lugar novamente a seus ossos, músculos e pele enrugada.

Por um instante, assim que o fogo se pagou, ele teve a sensação de estar flutuando dentro de um útero. Saim nada via, nada ouvia e nada sentia. Não conseguia se mover, não sentia frio nem calor, não respirava direito e toda noção de tempo espaço desapareceu. Não soube dizer quanto tempo ficou assim, mas numa mudança abrupta de cenário começou a mudar. Era como se um pessoa o estivesse puxando, como se alguma coisa o estivesse atraindo. Sim, definitivamente estava sendo arrastado. Cada vez com mais força e... Não, não estava sendo puxado ou arrastado, estava caindo. Cada vez mais rápido, o ar passava por ele de forma tão forte que a pressão da queda fez com que ele não conseguisse respirar e por uns instantes perdeu parcialmente a consciência. A sensação que teve era de que havia apenas piscado, mas quando abriu os olhos sentiu água em todo seu corpo. Rapidamente chegou ao fundo, recobrou os sentidos e aproveitou o chão rochoso para se impulsionar de volta para a superfície.

Finalmente, quando conseguiu por os cofres para fora da água percebeu que estava de noite. Luna ainda estava no céus, umas poucas nuvens vagavam e o céus estava qualhado de estrelas. Ele precisou nadar uns poucos metros até chegar na praia. A vegetação era baixa e pode ver ao longe uma mata densa. Do meio dela um torre de fumaça negra. Era Agreva que ainda ardia com as chamas tóxicas. Saim estava próximo do local de onde tinha partido. Sendo assim, não estava longe de casa. E se ele havia voltado, os outros também haveriam de voltar. Chacoalhando violentamente o corpo, se livrou da água que o encharcava e da areia grudada em sua pele.

Areia negra... Quando Saim se deu conta de que a areia grudada em seu corpo era completamente diferente d areia da praia, ele teve certeza que ele não esteve lá todo o tempo. Agradecendo a mãe Terra pelo auxílio, voltou a correr, agora sentindo a vegetação do litoral sob seus pés e em poucos minutos já estava avistando as árvores da mata. O solo estava coberto por folhas e ele já podia sentir cheiro de podre dos inimigos. Um lutador precisa retornar para terminar suas batalhas, por mais que estivesse sozinho, se ele precisava retornar para curar as feridas abertas por aqueles bestiais em sua deusa. Saim partia solitário para o final de sua sina.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Sobre pulgas, medo e amizade

Sarah acordou sobressaltada de um sonho estranho. Não conseguia se lembrar ao certo sobre o que era, mas sabia em seu coração que não fora nada bom. Mesmo numa noite fria como aquela estava suada e sentia um leve formigamento na palma de suas mãos.

Deitou-se de lado para tentar dormir novamente, mas sentiu um leve incomodo na garganta. A sede lhe assaltara de forma que agora incomodava e a forçava a ir até a cozinha. Isso a irritou, mas sabia que se não o fizesse, não conseguira voltar a dormir.

Lentamente se sentou na beirada da cama, calçou um pé do chinelo e tateou com um pé descalço na escuridão do quarto a procura do outro. Assim que o calçou se pôs de pé e caminhou lentamente até a porta, ainda remoendo a sensação do pesadelo. Aquela maldita mansão velha a enchia de medo e calafrios. Durante a noite todo o piso e o telhado estavam constantemente. Quando estava quase pegando na maçaneta, teve um segundo de vacilo e voltou para perto da cama. Apenas a luz da lua cheia não seria o suficiente. Acendeu um pequeno abajur que ficava ao lado da cama se sentiu mais confiante agora. Com passos decididos e firmes atravessou o quarto novamente e num único movimento abriu a porta.

Não havia ninguém. Samuel deveria estar ali. Ele havia sido designado pelo pai de Sarah para fazer a guarda da porta da filha. Aqueles eram tempos difíceis e nenhuma brecha poderia ser dada. A ausência de seu guarda fez com que a menina vacilasse. Samuel era obediente e nunca abandonava seu posto. Levemente Sarah tocou o batente da porta e sentiu que ainda estava quente, como se ele estivesse encostado ali a poucos instantes. Era uma noite fria e provavelmente seu guardião deveria ter ido ao banheiro. Esse pensamento fez com que ela relaxasse. Assim que tencionou as pernas para dar o primeiro passa para o corredor que levava até as escadas, sentiu uma leve picada em seu tornozelo. O tapete estava novamente infestado de pulgas. Aquilo a irritou de maneira tal que acabou por esquecer-se do pesadelo e do sumiço de Samuel.

Tentando coordenar suas passadas pelo corredor com breves coçadas no tornozelo, ela venceu a distancia até as escadas e se deparou com o salão interior da mansão. Nele havia corredores que direcionavam par o salão de entrada, logo a frente, para algumas salas de estudo, biblioteca, banheiros, dormitórios dos empregados e cozinha. Este último lugar sendo seu destino e lugar de interesse. Ao vislumbrar o amplo salão vazio, apenas iluminado pela luz prateada de Luna que tocava a mobília, os quadros e a tapeçaria, Sarah sentiu um leve arrepio subir por suas costas. Não sabia ao certo se era o medo voltando a apertar o peito ou o frio invadindo as pernas de seu pijama curto.

Degrau a degrau ela desceu as escadas, com sua mão suada tocando o corrimão gelado de metal. Os sons da casa ainda a assustavam, mas ela continuou. Seguiu com passos apertados e rápidos, passou pela lateral da escada, ouviu um ou outro barulho vindo dos alojamentos dos empregados... Ora um ronco, roa um gemido de alguma fornicação. Ela chegou a ter um relance de curiosidade, mas um estalo um pouco mais forte no piso a fez voltar a ideia original.

Deu uma corridinha de leve pelo corredor e finalmente chegou até a cozinha. Sem muita cerimonia abriu a geladeira, bebeu água direto no gargalo, deu umas duas mordidas num pedaço de queijo amarelo, beliscou um pedaço da carne assada do jantar e deu mais um gole na água. Agora com a sede saciada e o estômago acalmado parecia que os últimos minutos não haviam acontecido.

Displicentemente Sarah se pôs a caminhar de volta par seu quarto. Mas depois de pouco mais que quatro pares de passo ela ouviu a porta de madeira da cozinha se abrindo. Ela não quis acreditar, mas teve certeza que era a porta que dava para o lado de fora da casa. Seu estômago se embrulhou e sentiu tudo se azedando dentro de si. A comida quis voltar par fora e a bexiga quase se soltou. Suas pernas bambearam e ela sentiu como se o sangue abandonasse o rosto e os braços. Por uma fração de segundo pensou em seu pai e logo depois em Samuel. Onde o maldito estava?

A menina conseguiu ouvir a respiração do invasor. Era gutural e arrastada. Pesada como chumbo. Quando entrava era forçada para dentro, como se estivesse a farejar o ar e quando saia parecia um leve rosnar de alguma besta. Ela ainda percebeu quando o invasor se pôs a andar. Era alguma coisa grande, pois a batida de seus pés no assoalho, por mais que parecessem ser cuidadosas faziam barulho. E o pior, parecia que possuía garras. Seu pirar era como o de um cachorro quando suas unhas batem no chão de madeira, só que muito mais assustador.

Assim que ela percebeu parte da natureza do invasor, arrumou forças de algum lugar se forçou a correr. De início tropeçou nas pernas, mas logo depois estava a trote firme. Mas, para sua infelicidade o invasor percebeu sua manobra e também começou a correr. Assim que ela chegou ao salão principal, o invasor a alcançou. Primeiro ela ouviu um rosnar baixo e logo depois, com um leve movimento de braço, ele a derrubou no chão e pousou sobre ela. Os olhos verdes da besta fitavam os de Sarah como se saboreasse se medo. Ela estava tão abalada com aquilo que em sua cabeça ela estava gritando a plenos pulmões, mas na verdade apenas soltava um leve guinchado pela boca escancarada. Ele lambeu o pescoço dela. Sua saliva era muito quente e parecia ser ácida, fazendo com que a menina sentisse grande ardência onde ela tocara. O animal não falava, apenas rosnava e mostrava os dentes em sua boca descomunal e escancarada, arranhava o piso de madeira, arrancando grandes lascas, como forma de ameaça. Mas não parecia que iria mata-la ou comê-la. Pelo menos não naquele momento, não ali.

Num movimento ágil, ele se colocou de pé e com apenas uma mão agarrou Sarah pela cintura, a colocou sobre o ombro e voltou a se dirigir para o corredor da cozinha. A essa altura ela já havia esvaziado a bexiga diante de tanto terror. Em um momento estava deitada em sua cama, com seu travesseiro de penas e agora estava sobre um colchão de pelos negros, duros, sujos, molhados e fedidos, sendo levada para onde nem queria imaginar. O invasor seguia rápido, quase de quatro, por ora usando seu braço livre como um apoio para impulsionar seu avanço.

Quando estavam prestes a cruzar o arco que unia o corredor a cozinha, Sarah percebeu que marcha parou. Agora o invasor sacudia de um lado par outro. Em um instante o braço que a segurava sobre seu ombro se afrouxou se mudou de ponto de interesse. Ela aproveitou para escorregar pelas costas do monstro e chegar ao chão, mas não sem antes experimentar a péssima sensação de passar pela cauda peluda do invasor.
Agora no chão, ela viu o invasor, um ser asqueroso de pelos longos, ombros largos e braços fortes, com a cabeça quase chegando até o teto, lutar com alguma coisa a sua frente. Ele estremecia freneticamente, alguma coisa a na sua frente o havia pego, o golpeava e parecia que o segurava de forma firme, pois ele tentava se curvar, mas não conseguia.

Aos poucos um cheiro de ferro tomou conta do ar. A menina então percebeu que uma enorme poça estava se formando aos pés de seu sequestrador. Aos pouco, conforme a poça ia aumentando, ela percebeu que o corpo do invasor ia perdendo as forças. Seus movimentos estavam cada vez mais fracos, mais fracos e sem vontade. Até que ele ficou completamente inerte. Por um momento ela sentiu um alivio tão grande que se permitiu começar a chorar. Mas logo voltou a ficar apreensiva. Se um monstro daquele fora abatido de forma tão eficiente, o que a aguardava dentro da cozinha? Desta vez ela não conseguiu nem se mover. Viu o corpo do seu sequestrador regredir. Aos poucos os pelos diminuíram, os membros encurtaram, a cabeça voltou a ser como a de um homem e a cada deixou de existir. No final havia apenas um homem magricelo e de cabelos negros, preso pelo pescoço dentro da boca de um animal tão grotesco como ele um dia fora. O ser que segurava o homem dentro de sua boca era um pouco mais baixo, mas muito mais forte. Peitoral largo como um barril, braços que pareciam pernas, seu pelo era curto e branco como a neve, seu fuço era curto, mas, em compensação, sua mandíbula era larga como nos cães “bull terrier”.
Sarah estava cega de medo e a visão do homem morto despencando de dentro daquela boca cheia de dentes e sangue a fez desmaiar.

Quando acordou estava deitada em sua cama. Sentiu novamente uma maldita pulga picando seu pé. Ela percebeu que seu pai dormia em uma cadeira no canto do quarto e o grande monstro de pelo branco dormia ao lado de sua cama, quase colado a ela. Agora ela percebeu que era Samuel. Ela deu um leve sorriso, aliviada. Suas feridas estavam tratadas, sua pele limpa e sua roupa trocada. Ainda deitada na cama ela viu que Samuel acordou. Ele girou sua enorme cabeça de lobo-homem para ela, a olhou com seu olhos amarelos como se perguntasse como ela se sentia. Sarah simplesmente sorriu, deixou que sua mãos deslizasse para fora, sobre o pelo de seu guardião. Ele, sentindo o toque e o afago de sua protegida, apoiou a cabe sobre os braços e cerrou os olhos.

Sarah, fechou os olhos também e relembrou de tudo que aconteceu. Por um segundo voltou a se alarmar, mas o toque do pelo de Samuel em suas mãos, aliado ao movimento de sua respiração tranquila, fez com ela novamente adormecesse e não temesse mais nada naquela noite.